Enver Hoxha, o Ditador Banal
O que acontece quando elevas uma banalidade a Líder Supremo?
A 16 de Outubro de 1908, na pequena cidade de Gjirokastër, no Sul da Albânia (então uma parte do Império Otomano), nasceu Enver Hoxha, filho de pais muçulmanos comerciantes de tecidos. Era um dia banal, num vilarejo banal, na vida de um casal banal.
Enver era uma criança banal. Estudou normalmente, sem ser um grande aluno, teve direito a uma bolsa de estudo de Ciências Naturais na Universidade de Montpellier em França, que acabou por perder devido às suas más notas. Um normal e banal baldas. Em França apresentava-se como “Anti-Zog”. Zog, o Primeiro, era o auto-intitulado Rei da Albânia.
Depois de ter estudado em França, Enver ainda deixou o seu rasto de banalidade na Bélgica, tendo voltado para a Albânia para ser um albanês banal, que se dizia contrário ao regime de Zog, o Primeiro (e único, na verdade).
Após a queda do Império Otomano, a Albânia encontrou-se “livre”. Um país do tamanho da Albânia não pode ser livre e soberano, no entanto. Precisa de irmãos mais velhos que o protejam. O Rei Zog I aproximou-se de Itália para proteção e Mussolini decidiu que a melhor forma de proteger a Albânia era invadi-la, em 1939. O Rei Zog fugiu, levando consigo o ouro que tinha confiscado aos albaneses através de impostos.
Durante a Segunda Guerra Mundial a Albânia (que fazia parte dos domínios italianos) viu algumas batalhas, e várias facções se foram criando. Entre elas, como sempre, um Partido Comunista. A Albânia era o único país dos balcãs onde não existia um Partido Comunista, e os jugoslavos e os soviéticos fizeram questão de o fundar. Enver Hoxha foi um dos 14 ou 15 membros que ainda aparecem nos quadros (nos anos subsequentes Enver divertia-se a mandar apagar pessoas das fotografias e dos quadros), e que fundou o Partido dos Trabalhadores Albaneses, com dinheiro soviético. Naquela altura na Albânia não era necessário recolher 7500 assinaturas para formalizar o Partido, ou Enver, como banal incompetente que era, nunca o teria conseguido.
Enver não tinha ideologia, não se lhe conhecem escritos ou pensamentos mais profundos do que o pretendia comer no próximo dia. Como no dia do Congresso, acabou por ser convidado a ser o Presidente do Partido, não se fez de rogado, e aceitou. Gostou tanto de poder parecer não ser banal, que se agarrou ao poder com unhas e dentes. Tinha o apoio dos soviéticos e dos jugoslavos, que acabaram por se apoderar da Albânia, com o final da Segunda Guerra Mundial.
Nos quase seis anos em que Enver Hoxha esteve como líder do Partido e a declaração de Independência da Albânia, pouco se conhece das ações tomadas por ele. A liderança era banal, tentando passar despercebido, sem dar nas vistas. Obedecia a quem financiava o Partido (Jugoslávia), e conseguia fazer passar uma aura de intelectual para dentro do Partido. Claro que o Partido era dos Camponeses, e estes achavam que Enver, com estudos em França e viajado pelo mundo, certamente saberia do que estava a falar. Se ele dizia, os camponeses cumpriam. Ou pelo menos, ficavam calados.
Não se lhe reconhecem feitos heróicos, apenas se foi deixando andar, mantendo a sua posição como “Presidente do Partido”, enquanto todos os membros do Partido lutavam e davam as suas vidas pela independência. Enver tinha bons uniformes, mas não estava propriamente interessado em pegar em armas. Aliás, as fotos deixam isso claro:
Em 1945 o país foi “libertado” dos italianos, e em Dezembro o grupo armado do Partido Comunista organizou eleições. Como eram os únicos autorizados a concorrer, ganharam. Enver Hoxha, que era apenas “o Presidente do Partido”, tornou-se a pessoa mais poderosa da Albânia a 11 de Janeiro de 1946, quando foi decretada a independência.
Quando se tornou Primeiro Ministro, Hoxha era Estalinista. Quando Estaline morreu, deixou de ser. Antes, tinha sido amigo e depois inimigo de Tito, na Jugoslávia. Quando se zangou com Kruschev, tornou-se amigo de Mao, a quem depois renegou.
A sua paranóia e poder absoluto incontestado fizeram com que fechasse o País a quem entrava e a quem saía. A Albânia era um buraco negro, onde foram construídos 173,371 bunkers com capacidade para apenas uma pessoa, para proteger a Albânia de uma invasão. O país foi completamente fechado, sendo extraordinariamente difícil lá entrar. Por isso mesmo, a economia definhava. Os seus amigos de países comunistas (Jugoslávia, URSS, China) contribuíam com dinheiro, mas o país dependia de si próprio, sendo impossível desenvolver-se sem ajuda externa. Porque dentro da Albânia, a única voz era a voz de Enver Hoxha. E a voz dele era banal, muitas vezes contraditória (apesar de a História ser reescrita quando necessário) e não conseguia trazer progresso ou cativar as pessoas.
A Albânia tornou-se um dos países mais pobres do mundo, mas a verdade é que ninguém lá entrava, para verificar essa pobreza. Os albaneses, resignados e desconhecendo a realidade do mundo exterior, louvavam Enver Hoxha por os defender dos fascistas, e os manter “livres” e honrados, no seu cantinho dos Balcãs. Se o líder diz que algo é difícil fazer, é porque é difícil de fazer. Se o líder só nos consegue dar o que temos, devemos estar gratos. O líder não deve ser contestado. Continuavam à espera do dia em que finalmente iriam ver o progresso, trazido pelo Glorioso Líder.
Mas o Líder não precisava de progresso. O Líder apenas queria ser um Líder banal. A única coisa que aumentava era o ego do Líder e a pobreza do povo. O Líder achava-se cada vez mais indispensável, e o povo cada vez mais resignado.
Enver Hoxha era banal. Mas era visto como um deus. Apesar de ter morrido em 1985, o seu túmulo original não tinha data de falecimento, porque “iria viver para sempre”. Não foi ele quem o disse, foram os seus seguidores. Enver Hoxha era banal. Não tinha ideias fortes, mas sabia enganar quem o ouvia. Não era um fora de série, era um banal antigo professor, secretário do consulado da Albânia. Comia, bebia e defecava, como todos nós. Quando ia à casa de banho, fazia-o aqui:
Enver Hoxha conseguiu manter um país refém da sua personalidade banal durante mais de 40 anos. Obviamente, fê-lo com recurso a todos os meios que o Estado coloca à disposição dos líderes “democratas”, que se tornam ditadores. Durante esse tempo, mais de 200.000 traidores foram colocados em campos de concentração, por crimes tão graves como não estar de acordo com o regime. Milhares de pessoas foram executadas. Centenas de fotografias foram retocadas, para alterar a História.
A história de Enver Hoxha é a prova de que não são necessários líderes excepcionais para manter um grupo de pessoas preso a uma ideologia ou uma ideia, e mantidos durante anos, décadas, num caminho para o declínio e a irrelevância. A arte de conseguir enganar milhares de pessoas é a mesma que para enganar dezenas. A inação, a falta de ideias, a banalidade são infelizmente características com que muitos se identificam. Não é difícil ter um grande número de seguidores se prometermos a glória, sem no entanto fazer algo para a obter.
Enver Hoxha é o nosso colega de trabalho, é o seguidor que não conhecemos das redes sociais, é aquele que é eleito sem mérito, para funções para as quais não está preparado. Enver Hoxha é o teu presidente do condomínio. Pessoas que quando confrontadas com o poder se agarram a ele com mesquinhez. Todos os que, mesmo confrontados com a pocilga que as suas políticas ou gestão causam, insistem que a culpa é dos outros, que não trabalham.
Enver Hoxha podes ser tu, se te deixares tornar num.